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pokhara // bandipur

Namasté, querido Nepal

Apetece ficar. A simplicidade da beleza verde, da natureza viva e dos nepaleses, é uma esponja. Absorve-nos de admiração, mesmo quando, ao subir a montanha, há um precipício ao lado

Apetece só ficar. As pessoas acolhem, dão os bons-dias a cada passagem. Namasté de mãos unidas e inclinação de cabeça, num sorriso tímido, mas franco. Mesmo sem inglês para falar, os gestos e os olhos negros fazem conversa. As mensagens ganham sentido.

As crianças, quase todas, hello ou namasté. A menina de sobrenome Nepali, na Pokhara do suave e lento rio Fewa, quis até tirar uma fotografia, ao mesmo tempo que tentava convencer-nos a comprar chocolates. Depois, quis ver o álbum, as pessoas diferentes. Com os seus dez anos, de onde vimos não foi pergunta, só o saber que somos diferentes. Amid, na tranquila vila de Bandipur, cumprimentou ao longe, curioso. Da mesma idade, anda na escola. Não sabe o que quer ser quando for grande. Compreendemo-lo.

Bandipur cresce a 1.030 metros de altitude, em socalcos na montanha alta, de muitos verdes, onde o silêncio é quebrado mais por animais do que por pessoas. Pokhara no fundo do vale, com a montanha de Annapurna no horizonte, tem hotéis-retiro e cafés de ficar sem relógio. É ali que, para muitos, começa a aventura do trekking. Turistas com fartura, mas ainda um lugar com encanto.

Até as tempestades têm o seu. A enxurrada de lama, encosta abaixo, é apenas uma amostra e acaba rápido, que a época das monções ainda não chegou. A água da chuva que vira granizo à mesma velocidade, é logo aproveitada para encher baldes e limpar passeios, com vassouras de bruxinha e costas curvadas. Para estrangeiros desprevenidos, qualquer café é um abrigo de boas-vindas para admirar a força da natureza.

Os abrigos de palha, esses, são pêras que florescem na paisagem de casas coloridas, muitas com azulejos de vários padrões e terraços. Já passou a fúria, as vacas e as cabritinhas, com trelas e coleiras ou soltas como os cães, comem com vagar.

Em Bandipur, com o chão e telhados de xisto, estamos numa aldeia do interior de Portugal. As vozes de conversas de trabalho, enquanto se podam árvores, ou pastoreia o gado ou lava a roupa, trazem-nos de volta para este recanto da Ásia, onde o eco-turismo teve apoio da União Europeia. Ainda bem. É tão puro nas suas cores, nas suas formas, nas suas gentes.

As mulheres nepalesas são bonitas, pele bem morena, olhos bicudos ainda mais delineados com maquilhagem, baton nos lábios, chapéu de chuva para o sol a abrigar os cabelos compridos, sempre apanhados. Os homens são calados e atenciosos, muitos costureiros de profissão. Em todo o lado, há borboletas a jogar ao toca e foge.

Sandragala Bataré - pelo menos é assim que o ouvido ocidental perceciona o nome - no seu campo tem "makai, makai" a voar da mão para a terra para ilustrar as espigas de milho que virão. Aparenta ter 50 anos, talvez o clima e o arregaçar de mangas do nascer do sol até ele se pôr lhe deem mais idade. Aponta para o estábulo e para casa. A sua casa. Tijolo e cimento. Orgulho na expressão, destranca por breves minutos a porta da sua vida a estes forasteiros.

Subir a montanha num pequeno autocarro local

O autocarro vindo de Pokhara, que iniciou viagem sobrelotado, mas arranjou sempre espaço para mais um ao longo do caminho, entra no jogo, e finta os precipícios aos trambolhões. Tudo natural para os nepaleses, mais as horas de espera no trânsito parado, sob o calor abrasador e famílias apertadas dentro do mesmo veículo. À janela, espreita da rua o vendedor de kakari, ou pepino com pesto para refrescar, ou o homem dos gelados ou o que faz uma mistura de cereais e frutos secos.

Segue a viagem no pequeno autocarro forrado por dentro a papel de parede às flores , gasto pelo tempo, amuletos no vidro da frente. Terra de Buddha, os camiões fazem da dianteira máscaras cor-de-laranja, amarelas ou verdes, com desenhos de mãos unidas em Namasté, Shiva e outras sortes pelo caminho.

Todos vão no embalo da música alegre que toca alto no rádio. É a vida de todos os dias, com gotas de suor no corpo, calor humano e poeira, curva, contracurva sem tombar com o peso, mesmo quando há buracos nos troços de terra batida.

Ao subir a montanha, fácil deixarmo-nos levar pela beleza, em vez de reparar no precipício. Os olhos em bico vão sorrindo, dos bebés aos adultos, a dizer que está tudo bem. Somos os únicos estrangeiros nos seus minibus de todos os dias. Cedem-nos os lugares, nós também cedemos. Vamos juntos.

Gógol e José Luís Peixoto fazem-nos companhia, sem se importarem com os abanões do piso errante. O escritor português diz que "o caminho é um lugar". Aqui, mais do que nunca, sentimos que tem razão.

A velha de cor-de-rosa convida-nos a entrar no templo também velho, enquanto coze ovos e batatas. Oferece-nos comida se quisermos. Põe-nos flores na cabeça, quase como uma benção. O caminho é um lugar. Tantas vezes bem acompanhado.