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Delhi, terra de cheiros e (des)enganos

Tons rosa alaranjado estes do amanhecer em Nova Delhi. A partir do aeroporto, às seis da manhã, os olhos transportam-nos para o céu, só por breves segundos. O ruído prende-nos à terra, o ruído e o calor abafado e húmido ao mesmo tempo, a darem corpo à azáfama ininterrupta, vinda já da madrugada, de táxis e taxistas e angariadores de turistas. Preços ao ar, apertos de mão, antes mesmo da negociata.

Sim, sabem onde é o hotel. O café fica a meio, nem isso. À falta de caixote, vai o líquido pelo esgoto na estrada e, à europeu, o copo de cartão na mão até ao lixo mais próximo.

E então, estás na Índia. O taxista afinal não sabe onde é o hotel, deambula, apitando sempre, rés-vés Campo de Ourique com outros carros encostadinhos, alguns - claro e, sim, é como no YouTube -, vindos do nada em sentido contrário. A desordem organizada da capital da Índia. Nem um acidente e o caos. Ao mesmo tempo. No mesmíssimo segundo.

Então, estás na Índia. O taxista quer o número do hotel e empresta-te o telemóvel para ligar. Enviam a localização, mas o aparelho não é um smartphone, pelo que não vale de nada.

Então, estás na Índia. O homem vê que ainda estás com o copo do café na mão. Arranca-to e vai janela fora com a maior naturalidade.Então, engoles em seco que estás na Índia.

Quem tem boca vai a Roma e o taxista lá pára e pergunta. Percebe as indicações. Anda 100 metros. Pára outra vez. Não percebeu. Mas o destino era, afinal, fácil. Logo ali à frente. Viagem pré-paga, mas a pergunta em tom óbvio: a minha gorjeta?

Reserva de hotel também pré-feita a um preço convidativo. "Não, não, é erro do booking". Finca-pé duas e três e quatro vezes. "Sem problema, sem problema". No átrio do hotel, a cena repete-se com outros turistas que se deixam no engano. Há quem saia e volte atrás, depois de ter feito melhor as contas. Os funcionários riem-se entre eles. Dos graúdos aos miúdos, há escola feita entre estes compinchas dos enganos. Sabes que falam de ti sem saberes exatamente o quê. Quem nunca?

Estamos, ainda, nos subúrbios de Nova Delhi. O cheiro é feio, nauseabundo, lixo no chão aos molhos, moscas e mosquitos. Mulheres que se atrevem a varrer. Poeira no ar. Cheira a poluição. Cheira também a comida, cheiro que se enlameia com o de incenso e flores perfumadas que o calor abafa, mas não apaga. No mesmo passeio irregular, nem meio quilómetro de uma mistura intensa de odores.

Também se misturam (n)as cores. Bancas com frutas, slogans vermelhões, mulheres no chão a dar colo e mimos às flores amarelas e brancas para vender, alheadas das buzinas incessantes e dos transeuntes em passo apressado. Cruzar o olhar com estas mulheres é parar o tempo.

Há quem ainda pare no meio deste trânsito de pessoas, de cães, de vacas, de carros, de riquexós, de autocarros para onde tantos entram em andamento, de motas apinhadas, de bicicletas, de veículos ambulantes de várias formas e feitios: o senhor de pele enrugada, cabelo castanho e cor de laranja, desdentado de sorriso aberto a perguntar para onde vamos, se precisamos de ajuda.

Há quem pare no tempo e pare até o trânsito para nós passarmos. O jovem que atravessou e voltou para trás. Dedo em riste, os condutores anuíram. Ele sorriu. Nós agradecemos, sorrindo também. O sorriso é uma linguagem universal e acalma a desordem e a aparente indiferença de Nova Delhi. À segunda, também nós parámos o trânsito e cruzámos a estrada.