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Tailandia // Long Neck Karen

Cinco anos, uma "coleira" para sempre

As mulheres-girafa começam por ser logo meninas-girafa. Este é o zoo humano que todos ajudamos a perpetuar

Cinco aninhos apenas e 10 argolas no pescoço. Mamia diz que dói, mas sabe que tem de usar. Ainda mantém a inocência própria da idade, quer aprender a desenhar cães e miaus. Sorri para o click da máquina, chega perto. Quer que lhe desenhe a nossa fotografia para ficar também com a recordação. Quando for mais crescida talvez nem se lembre do meu rosto. Mas talvez se lembre da minha mão a pegar na dela para rabiscar aquele caderno com o imaginário infantil.

Mamia está destinada a viver ali, na Karen Long Neck Village, uma aldeia onde vivem mulheres-girafa, mulheres Padaung que preferem ser chamadas Kayan, o nome da minoria étnica tibeto-birmanesa a que pertencem. Na década de oitenta e no início dos anos noventa, fugiram da brutalidade do regime militar no Myanmar e encontraram na Tailândia um porto de abrigo. Ou uma prisão.

Muitas já nasceram em território tailandês, mas continuam a colocar as argolas douradas de bronze, a partir dos cinco anos e vão acrescentando uma a cada aniversário até aos 21 de idade. Parece ouro, pode ser um sufoco. Não as tiram nem para dormir, só uma vez por ano ou para fazer exames, durante umas três ou quatro horas. Mais do que isso há o risco de sofrerem lesões. A clavícula cede, uma vez que não são os pescoços que alongam, mas sim os ombros que descem.

O governo tailandês e os turistas ajudam a perpetuar estas tribos e a tradição das argolas. Dão dinheiro. Estas pessoas são atração turística, paga-se 300 baths, cerca de oito euros, para entrar na aldeia, em Chiang Rai. Como um zoo humano, li algures. É a sensação que fica...

Se Mamia ainda liberta um sorriso genuíno de criança, as jovens e mulheres mais velhas esboçam sorrisos mais forçados, sobretudo no momento das fotografias.

Trabalham ali fechadas a fazer lenços e souvenirs, entre eles retratos delas em madeira. As casinhas simples onde vivem, em madeira e palha, ficam atrás das "montras" onde passam os dias, a trabalhar e a receber os turistas.

Masana tem 14 anos, soma 18 argolas, e é gentil no trato, faz jus ao que esperam dela. Tentamos trocar umas palavras em inglês. À pergunta sobre se o pescoço dói, assume que sim, "dói um bocadinho". "Gostas de usar?". "I love it". Responde prontamente, mas não ficamos com essa certeza. Diz que trabalha ali e que também estuda ali. Será mesmo assim? Até há bem poucos anos a escola não era uma realidade nas tribos. Perguntamos o que estuda. Aí já deixou de entender o inglês. Já existem tribos em que a escola faz parte do dia-a-dia. Isso e telemóveis na mão. A ligação possível ao mundo.

As mais velhas, algumas, têm uma expressão alheada, focam-se na tecelagem e na venda, são como bonecas de cera para as fotos, que muitas vezes são tiradas sem que se lhes pergunte se se importam, se querem. Mesmo não querendo, acenam que sim com os olhos. O pescoço está preso para movimentos de cabeça, com 10 quilos de argolas bem pesados.

Cumprem os rituais, o folclore que as "coleiras douradas" suscita. Esta imagem é dura, sim, mas é com ela que saímos dali, sentindo-nos mal por ajudarmos, também nós, a perpetuar isto.

Há quem contraponha que, pelo menos, estas mulheres não vivem em contexto de guerra e que têm naquele pedaço de terra segurança e alimento. A verdade é que trabalham para isso, como qualquer outro cidadão. A diferença é que a Tailândia não lhes dá direito a cidadania, estão confinadas a uma aldeia com segurança à porta e entrada paga, e têm um rótulo estampado no pescoço. Com ele, todos os dias vivem um assalto à sua dignidade e estão despidas de qualquer sentido de liberdade. Mesmo que (ainda) não o saibam ou não o sintam exatamente desta forma.

Provavelmente, Masana, com os seus 14 anos, ainda sonha com uma vida um bocadinho diferente que, muito provavelmente, não terá. Mamia, então, respira inocência e curiosidade pelo outro e pelo mundo. O mundo, para esta criança, pode caber numa folha A5. A imaginação e o sonho ganham asas no entusiasmo que imprime com o cão, o gato, a flor e o desenho da nossa fotografia naquele pequeno caderno. Até quando, se não a deixam virar a página?

Nota: Há várias teorias sobre a origem desta tradição. Há quem diga que as mulheres começaram a usá-las para se protegem de ataques de tigres e de outros predadores; ou que foi uma forma de escaparem à escravidão, tornando-se menos atrativas para outras tribos; ou que surgiu para imitar os dragões, criaturas sagradas para este povo. Se, porventura, cometerem adultério, os colares são-lhes retirados, passam o resto da vida com dores e é-lhes difícil segurar a cabeça.