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Hong Kong // Macau // China

Do melhor ao pior entre viagens

Chegar a Macau foi como ganhar um presente, com gostinho a casa. Ao entrar na China, tudo se complicou

Três destinos e um trambolhão de emoções. Tudo no mesmo, um único, dia, e com novos episódios nos seguintes. Depois de uma passagem rápida por Hong Kong e de um cubículo para dormir, sem janela, num 12º da Little Índia daquela grandiosa cidade, uma hora de ferry bastou para chegar a Macau. Para ver português escrito em todo o lado, ouvir compatriotas a falar, provar pitéus com sabor a casa.

As placas nas esquinas das ruas, para além de bonitas, em tons branco e azul, têm dizeres em chinês, e em bom português. A marca histórica está lá, por todo o lado. Na calçada, nos edifícios amarelos, no miradouro de Nossa Senhora do Monte, nas Ruínas de São Paulo ou na Fortaleza do Monte, nos largos, nos becos, nas praças. Há pastéis de nata, bolos de bacalhau morninhos e bifanas à distância de um pedido. Até ímans com galos Barcelos para o frigorífico.

Esperávamos mais cultura de cafezinho e esplanada em Macau e vimos pouco, mas em meia hora deu para "matar o bicho". De dono português, a pastelaria O Caravela tinha café Delta, pastel de nata, torrada de chapata. As saudades de uma manteiga derretida num pão como deve ser fez deste hábito adquirido em casa, um prazer extraordinário e raro em terras asiáticas.

Ao lado, uma mesa com três portugueses à conversa. É tão bom ouvir falar português. No café, no autocarro, até o "bacalau" dito pela macaense do Café Silva (dispensador de comidas, sem mesas e cadeiras). A bifana, também dali, tem molho bom, mas num pão parecido com o de leite.

Damos por nós a andar desde a Praça do Senado até às Ruínas de São Paulo como se, por momentos, estivéssemos em Lisboa ou Viseu. Com fonte de água redonda no meio da praça e tudo.

Por momentos, os 11.000 quilómetros que separam Macau e Portugal reduzem-se à distância da porta do vizinho do lado.

Não fossem os restaurantes chineses porta sim, porta não e os turistas de olhos em bico com os seus guarda-chuva para o sol, diríamos que estamos em casa.

Dos pontos altos, avistam-se os bairros velhos, de prédios mais baixos, mas Macau também se veste de arranha-céus espelhados, dourados, majestosos. Sem perder o charme português. Se esta palavra aparece demasiadas vezes neste texto, é porque nos enche de orgulho.

Não é preciso vir para fora para dar valor aos hábitos, estilo de vida e herança portugueses. Sempre demos e adoramos fazer turismo dentro do nosso país. Viajar pela Europa ainda é estar perto de algumas pequenas grandes coisas. Pela Ásia, as diferenças já são muitas. Muitas mesmo.

Stress e desilusão

Já passámos por vários países bem menos desenvolvidos do que a China, mas não foi tão difícil comunicar, gerir transportes e estadias como aqui. Bastou passar a fronteira terrestre de Macau para este lado, para entrar noutro mundo.

Pessoas que parecem formigas, filas intermináveis para obter bilhetes de comboio, várias viagens esgotadas. Nenhuma placa em inglês, comunicação quase impossível. Cereja no topo do bolo: um calor insuportável. Ainda mais de mochila às costas.

À falta de bilhete para Guilin, o primeiro destino foi mesmo Cantão. À chegada, nem as estações de metro tinham tradução em inglês. Valeu-nos um jovem trabalhador da estação que arranhava a língua e tentou explicar direcções e onde poderíamos encontrar hotel. Marcar pela net nem chegou a ser opção. Ficámos sem comunicações ao entrar na China, Wi-Fi para estrangeiros foi para esquecer durante uns dias.

Noite feita, já. E nada feito. Fomos parar a um hotel aconselhado pelo rapaz, perto e com publicidade na própria estação. Pick up e tudo. Pensado para turistas, mesmo que estrangeiros, certamente. Embora a estação seja enorme e Cantão provavelmente também, nem onde ficámos hospedados, nem em lado nenhum do bairro foi possível comunicar. Os funcionários do hotel só se riam com a situação. Nós começávamos a desesperar.

Sem multibancos em lado nenhum e sem terminais de pagamento a aceitar cartões estrangeiros, não houve jantar.

Portanto, o primeiro dia e a primeira noite na China foram um verdadeiro "tirem-me já daqui".

Ao segundo dia, Guilin estava a apenas a um par de horas de distância. Fomos cedo para a estação, mas só conseguimos bilhete de comboio para oito horas depois. Seja. Maior do que muitos aeroportos, a estação estava apinhada, mas apinhada, de gente.

Depois do caos, uma calma verde

Guilin foi a leveza por que implorávamos. Hostel e jantar às direitas, passeio agradável por uma zona de comércio acessível só a peões. No dia seguinte, apreciámos velhotes e velhotas chineses a jogar às cartas junto ao rio, demorámo-nos junto ao lago onde repousam as torres do sol e da lua.

Os campos de arroz em escadinha em Longsheng, mais conhecidos por Longji Terrace Rice Fields, ficam a duas horas, mas são um caminho directo para a paz da natureza. Para mergulhar no meio de verde puro e casas de madeira. Um lugar onde vale a pena ficar por uns dias.

Nós tínhamos comboio nocturno para apanhar (bilhete comprado de véspera, desta vez). Já não dava para alterar os planos e ficar. Destino: Pequim. Dezanove horas de viagem. Assim mesmo, por extenso, porque além de longa, foi das piores de sempre.

Pois, o filme ainda não acabou...

Apesar da ligeira antecedência da compra, já só havia lugares nas carruagens mais baratas para viajar sentados, em hard seats. Hard mesmo. Duros, tipo bancos corridos, mas com costas. Tudo ao molhe e a fé foi-se perdendo quilómetro a quilómetro. Viagem interminável, desconfortável, com gritaria dos revisores a cada paragem e dos vendedores de escovas de dentes, auscultadores e comida a bordo.

Nós, os únicos estrangeiros naquela carruagem e "charters de chineses". Indiferentes, a não ser uma ou outra criança, um ou outro adulto curioso connosco, como o homem gordo (fazemos referência por causa do espaço no banco) que viajava ao nosso lado. Por gestos, quis saber não só o nosso nome, mas como se escrevia. O Pedro rabiscou no nosso calendário do "Ainda há tempo". O senhor rabiscou o nome dele em chinês e adormeceu rápido, aliviando os seus gases e ressonando, enquanto outros faziam o mesmo, em dose dupla, ou arrotavam a alto e bom som. Uma noite normal, como os dias normais na China.

Um martírio de desconforto depois, hostel previamente reservado pelo Booking, tudo certo e nós só a ansiar por uma cama. Para além de difícil de localizar, chegámos ao hostel estafados e já a anoitecer novamente, para ouvir que não aceitavam estrangeiros. Reserva confirmada (!), quartos disponíveis e pela, primeira vez, deparamo-nos com esta inacreditável situação.

Comunicação muito difícil com a funcionária, toda risinhos, nós a implorar por uma alternativa. Nada. Depois um nome de hotel. Uma morada. E façam-se à vida. Que remédio.

Não encontrámos o tal hotel, havia outros fechados, cheios ou inacessíveis a estrangeiros nas redondezas. Há uma divisão muito clara entre este mundo e o ocidental, a todos os níveis. Têm as suas próprias aplicações - censuram Google, Facebook, Instagram e Whatsapp - e sistemas de pagamento. Muitos estão no Booking e não aceitam estrangeiros...

E nós ainda sem sítio onde ficar, numa das maiores e mais desenvolvidas cidades do mundo. Avé pessoas boas, que as há também na China: um casal fluente em inglês, ela hospedeira, foi incansável a ligar para hotéis (a essa altura nós já estávamos sem bateria). Tudo cheio ou muito caro. Seja. Até o táxi chamado via aplicação fizeram questão de nos pagar. Queremos recebê-los em Lisboa se algum dia lá forem. O contacto, já o têm.

De mochilão, mau aspecto e já a cheirar mal, lá pagámos 100 euros pela primeira noite em Pequim. Enfim uma cama. E uma constipação para curar. O ar condicionado do comboio e o fumo de quem fumava lá dentro ajudaram à festa de uma viagem inesquecível.

As manhãs são sempre outro dia e lá encontrámos um hostel recomendado por amigos e cumprimentámos uma Pequim mais agradável. Igualmente apinhada de gente. Muitos turistas. Asiáticos, sobretudo. Já se percebeu que não pode ser de outra maneira. Eles são, como diz o nosso povo, "mais do que as mães".

Apesar disso, as avenidas são largas e, fora dos locais mais turísticos até se consegue andar, mais ou menos, à vontade. O metro funciona muito bem e tem tudo traduzido. O hostel é caro para o que é, mas está bem situado.

Conhecemos Tiananmen e a Cidade Proibida debaixo de um calor proibitivo, um sol baixo daqueles de Inverno em pleno Verão que queima e atordoa. Constipações ainda por curar.

Subimos a escadaria-serpente da incrível Muralha da China. Às vezes, ganha-se forças onde não sabemos que as há. E vale tanto a pena quando assim é. Descemos de tobogã, sorriso na cara e adrenalina no corpo, quais crianças pela primeira vez num escorrega.

Tropeçámos na chegada à China, é certo, mas estamos a aprender a deslizar.

P.S.: Claro que a ida para a enorme e ainda mais apinhada, mas muito interessante, Xangai (a nossa última paragem no país) já foi de avião, e sem percalços. Ainda assim, férias precisa-se. (Vá lá, não se sintam insultados).

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